Pessoas sem treinamento acadêmico formal têm ajudado no
desenvolvimento de diversas áreas da ciência. Em sua coluna na CH 289,
Franklin Rumjanek cita, entre outros exemplos, o dos adeptos de jogos
eletrônicos, que decifraram estruturas tridimensionais de várias
proteínas.
Por: Franklin Rumjanek
Publicado em 23/02/2012
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Atualizado em 23/02/2012
Transformar enigmas científicos em jogos eletrônicos é uma
estratégia que tem permitido aos ‘gamers’ (como são conhecidos os
adeptos desses jogos) contribuir de modo significativo para o avanço da
ciência. (foto: Sxc.hu)
Nem só de cientistas depende a ciência. Em muitos episódios de sua
história, pessoas sem treinamento acadêmico formal desempenharam um
importante papel na produção de resultados que contribuíram de modo
significativo para mudar certos paradigmas. Os colecionadores têm um
destaque especial. Tendo desenvolvido uma afinidade com certos objetos,
muitas vezes são eles que fornecem a ordem necessária para o
desenvolvimento de hipóteses e modelos gerais.
Esse foi o caso de Mary Anning (1799-1847), a chamada princesa da
paleontologia, cujas descobertas de fósseis na região da cidade
litorânea de Lyme Regis, na Inglaterra, foram fundamentais para
sedimentar o pensamento evolucionista que já fermentava na época e que
culminaria, um pouco mais tarde, com a obra seminal do naturalista
Charles Darwin (1809-1882).
Curiosamente, sem que haja aí qualquer recomendação, consta na
biografia de Mary Anning que ela foi atingida por um raio aos 15 meses
de idade, o que parece ter mudado radicalmente sua personalidade.
Segundo um sobrinho, Mary exibia, antes dessa epifania elétrica, uma
personalidade meio apagada, e se tornou depois vivaz e inteligente.
Mais recentemente, os gamers ajudaram cientistas a decifrar as estruturas tridimensionais de várias proteínas
Mais recentemente, os adeptos de jogos eletrônicos, conhecidos como gamers, ajudaram cientistas a decifrar as estruturas tridimensionais de várias proteínas. Os gamers
não tinham treinamento em bioquímica, mas atenderam ao chamado dos
cientistas, que transformaram em um jogo a tarefa de compreender as
conformações proteicas.
O objetivo era buscar estruturas que exibissem a energia mais baixa
(como ocorre na natureza), obedecendo a regras definidas pelos
pesquisadores. Os jovens, com sua familiaridade habitual à linguagem
eletrônica, produziram rapidamente as soluções, identificando inclusive a
estrutura de uma proteína ligada à síndrome da imunodeficiência de
macacos que há muito tempo desafiava os cientistas.
A associação entre segurança nacional e ciência também pode parecer
insólita, mas houve um caso em que, mesmo sem intenção, militares
norte-americanos fizeram descobertas importantes em astronomia, embora
estas tenham permanecido ocultas por décadas.
Em 1967, operadores de um radar de vigilância no Alasca, instalado
para detectar ogivas nucleares inimigas, localizaram estrelas que emitem
sinais de radiopulsantes (chamadas de pulsares), bem antes de estudos
realizados por civis. Esses registros, segundo artigo publicado na revista científica Nature
(v. 477, p. 388), ficaram sob sigilo até 2007. Não surpreenderia que,
sob a égide da segurança, exista um acervo científico incalculável ainda
a ser divulgado.
Voltando aos gamers, a ideia de transformar enigmas
científicos em jogos é bem interessante. Como se sabe, um dos grandes
flagelos da humanidade é o câncer. Legiões de pesquisadores vêm
acumulando uma quantidade impressionante de resultados ao longo de
décadas, com estratégias de estudo distintas. A percepção atual é a de
que a solução já exista no meio dos dados produzidos, mas não seja
percebida, dada a complexidade das células. Assim, seria preciso um
grande exercício mental para reunir tudo o que é conhecido em uma
hipótese coerente que permita indicar a melhor estratégia para tratar
essa doença.
Entre as ferramentas nascidas da bioinformática, uma que se presta a
se tornar um jogo é o interactoma, que pode ser definido como um
diagrama que mostra como os elementos de um conjunto interagem uns com
os outros. No caso das células, os protagonistas são as biomoléculas
(ácidos nucleicos, proteínas, vitaminas, lipídios e outras) e o
interactoma mostra não só os pontos de contato, mas também a hierarquia
das interações.
Diante de tal quadro, talvez os gamers se animassem a buscar
a solução para perguntas como: qual a diferença fundamental entre uma
célula normal e uma tumoral? Como eliminar as células tumorais sem
perturbar as normais? Enfim, um quebra-cabeça. Novamente, os jogadores
não precisariam ser bioquímicos ou oncologistas. Eles deveriam apenas
ser capazes de perceber padrões, tarefa bem mais fácil para a mente
humana do que para a circuitaria dos computadores.
Franklin Rumjanek
Instituto de Bioquímica Médica
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Franklin Rumjanek
Instituto de Bioquímica Médica
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Texto originalmente publicado na CH 289 (janeiro/fevereiro de 2012).
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Obrigada pela visita e pelo comentário!
Quimiloko honorário volta sempre!!
hehehe!