Diplomatas, cientistas e sociedade civil. Nas discussões
preliminares sobre a Rio+20, estariam todos falando a mesma língua?
Por: Henrique Kugler
Publicado em 08/03/2012
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Atualizado em 12/03/2012
Embora o mote da Rio+20 seja economia verde, não há um
entendimento unificado sobre esse conceito. Sua ideia principal é que a
oferta de bens e serviços seja cada vez menos dependente de recursos
finitos. (foto: Jesper Baerentzen/ Sxc.hu)
A poucos meses da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, mais conhecida como Rio+20, os discursos político, ambiental e científico ainda não estão exatamente sincronizados.
Foi a impressão que ficou durante um evento preparativo para a Rio+20 realizado esta semana na capital paulista – iniciativa do SciDev.Net
e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). O
encontro reúne pesquisadores, diplomatas e sociedade civil para ouvir – e
tentar entender – quais são, enfim, as posturas e atitudes do Brasil
frente ao cenário socioambiental que se descortina neste início de
século.
O mote da Rio+20 será economia verde. Conceito abstrato, e mesmo
confuso, segundo alguns economistas. Para o embaixador Luiz Alberto
Figueiredo Machado, negociador-chefe da conferência, não há um
entendimento unificado do que seja esse conceito. “Cada país tem ou terá
o seu.”
O economista Ricardo Abramovay, da Universidade de São Paulo (USP),
tem dúvidas. “Fala-se em economia verde, mas, na verdade, o sistema
econômico não tem a menor ideia de como lidar com o desafio da finitude
de nossos recursos e da desigualdade que se alastra pelo planeta.”
Abramovay explicou que a ideia essencial da economia verde é
estabelecer um sistema em que a oferta de bens e serviços seja cada vez
menos dependente das matrizes finitas de energia, matéria ou recursos
bióticos.
“Já sabemos que insistir nos mecanismos econômicos atuais é ir direto
de cabeça para o rochedo”, enfatizou. “Tal afirmação não vem de um
professor insurgente, nem do MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra], nem de nenhuma ‘esquerda’. São as conclusões apresentadas em
documentos da ONU [Organização das Nações Unidas] e das principais
agências de consultoria no mundo todo.”
Para o também economista da USP Eliezer Diniz, o conceito de economia
verde não traz nada de novo. “Analisando as definições já conhecidas de
desenvolvimento sustentável, vemos nada mais que a repetição das mesmas
ideias passadas.”
Burocracias letárgicas
Como esperado – e a onda de ceticismo só cresce –, os preâmbulos da
Rio+20 não sinalizam avanços significativos de qualquer natureza. Ao que
tudo indica, o encontro não passará de um exercício
retórico-diplomático corriqueiro de discussões esvaziadas pela letargia
política que impera nos círculos do poder decisório.
Entre os entraves da discussão, está a emancipação do Programa das
Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Argumenta-se, de um lado,
que é preciso fortalecê-lo, transformando-o em agência com poder
decisório. De outro, que tal atitude não passaria de um processo
burocrático desnecessário, um aparelhamento excessivo dos mecanismos da
ONU.
Nosso negociador-chefe foi claro ao dizer que o Brasil não quer uma
nova agência – alinhando-se aos estadunidenses e divergindo da maioria
dos países europeus. “O Pnuma, nos moldes em que atua hoje, não funciona
bem. Gostaríamos, sim, de fortalecê-lo, mas transformá-lo em mais uma
agência seria apenas como criar novos empregos para diplomatas.”
Burocracias à parte, como ficam as esperadas metas? “Bem, ‘metas’ é
uma palavra da qual o Itamaraty parece não gostar”, alfinetou Paulo
Moutinho, diretor do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
Os possíveis avanços almejados pela comunidade científica – e pela sociedade – estão difusos no Rascunho Zero,
documento preliminar que delineia os temas da Rio+20. Biodiversidade,
áreas de preservação, oceanos, política alimentar, mobilidade, consumo,
emissões de gases-estufa... Tudo está diluído, de forma nada objetiva.
Atitude x discurso
O diplomata André Corrêa do Lago, diretor do Departamento de Meio
Ambiente e Temas Especiais do Ministério das Relações Exteriores, também
esteve presente no evento em São Paulo. Após sua explanação, não
demorou a surgir na plateia a pergunta fatídica que não quer calar.
“O Brasil tem adotado posições de liderança nas mesas de negociação
em âmbito internacional, e nossa diplomacia tem sido ágil ao defender
discursos de sustentabilidade. Mas, na prática, nossa política interna é
bem diferente. Como defender posições sustentáveis lá fora – e agora
aqui dentro, na Rio+20 – quando estamos na iminência de aprovar, por
exemplo, um Código Florestal desastroso?”, provocou um ouvinte, sem
saber que teria uma resposta quase desconcertante.
“O nome disso é democracia”, rebateu prontamente o diplomata, sem
qualquer constrangimento. Um silêncio de alguns segundos paralisou o
auditório (alguns pareciam se perguntar algo como: “Ele disse mesmo
isso?”).
Pois disse. E complementou: “Não cabe a mim julgar o mérito das
tramitações internas. Elas são parte de um processo democrático, que
pode ser ruim, mas sua falta seria ainda pior”.
O episódio quase anedótico exemplifica os desencontros entre a fina
retórica diplomática brasileira e a política ambiental que se pratica
por nossas terras. Mas a esquiva diplomática pela tangente, ainda que
desprovida de conteúdo, ao menos foi elegante.
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hehehe!