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Aproximando os cientistas da sociedade

Texto de Mauro Rebelo
Publicado nas categorias: Divulgação Cietífica, Educação, Scienceblogs.
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O mundo hoje é diferente do que era há 5000 anos. Do que era há 500 anos. Do que era há 50 anos. Até mesmo do que era há 5 anos. Por causa da ciência.
Leopoldo De Meis mostrou que, desde que a ciência foi institucionalizada, o número de cientistas passou de algumas dezenas de pessoas que trabalhavam isoladasnos séc XIV e XV, para, nos dias de hoje, alguns milhões trabalhando em universidades e institutos de pesquisa, e publicando seus achados em revistas especializadas de circulação internacional. Os resultados dessas pesquisas transformaram completamente (exponencialmente) a sociedade. Passamos dos 5 km/h que conseguíamos alcançar com nossas próprias pernas à 200.000 km/h que alcançamos com foguetes capazes de nos levar a outros planetas. Nossa expectativa de vida aumentou de 15 anos no pleistoceno para 90 anos em países desenvolvidos depois que o cientista Pasteur mostrou,  no século XIX, a relação entre a contração de doenças e a higiene pessoal. E a população cresceu então de 1 bilhão de habitantes em 1800 para 2 bilhões em 1930, 3 em 1960 e 7 bilhões em 2012. Podemos transmitir texto, sons, imagens, dados de um canto a outro do planeta imediatamente através de cabos de fibra ótica no fundo dos oceanos e satélites em órbita no espaço.
Ainda assim, o que observamos nesse começo de século é uma sociedade cada vez mais distante da ciência. (veja ‘O que os brasileiros pensam da ciência?‘) Porque?!
A resposta para essa pergunta é complexa e o melhor que eu deveria fazer é ficar quieto, ao invés de arriscar uma resposta. “Mantenha-se discreto e nada de mau te acontecerá” dizia o saudoso prof. Tito Eneas Leme Lopes. Mas eu sou atrevido e vou dar o meu palpite. Para mim, a velocidade de produção de informação e, principalmente, de transmissão da informação, superaram, em muito, a velocidade de educação da população.
O processo educacional, há séculos, está focalizado em uma pessoa: o professor. Na grécia antiga, o ensino era para muito poucos: um professor ensinava de 3 a 4 pupilos e o método principal era a imitação. Depois vieram as universidades na idade média e ainda ali, apesar de discursos para uma dezena de pessoas, o ensino continuava sendo para poucos: aqueles que podiam entrar em contato direto com um mestre ou tutor. Foi apenas no século XIX, com a invenção do quadro negro por um Escocês, que o ensino pode ser ampliado e um professor podia transmitir seu conteúdo para dezenas de pessoas. Desde então apareceram o behaviourismo e o construtivismo, massificamos as formas de avaliação e aumentamos o número de professores e escolas, mas um professor continua ensinando ainda um número bastante limitado de alunos. Isso indica, para mim, que alcançamos o limite e não há como superar esse número com a escola tradicional.
(pausa para os professores na sala atirarem pedras no cientista)
A consequencia dessa deficiência no ensino é que, de certa forma, os cientistas modernos, apesar de todos os nossos meios de comunicação, estão mais isolados do que os cientistas estavam no  renascimento. Isso porque a sociedade, em geral, hoje em dia é tão incapaz de entender o que os cientistas fazem como era há 500 anos. (Veja ‘A universidade é o carrasco da ilusão da sociedade‘)
E assim criamos um paradoxo: as pessoas nunca usaram tanto a ciência (e a tecnologia), nunca foram tão dependentes da ciência e, ao mesmo tempo, nunca estiveram tão distantes dela. É como se os computadores, os tecidos, as viagens, os remédios, as comidas, os livros… como se tudo isso viesse de algo que não foi, em um passado recente, uma idéia de um pesquisador em um laboratório.
Parte da culpa é dos cientistas. Eles nunca se esforçaram muito para traduzir seus achados para a população, apesar da população pagar pela produção desse conhecimento científico. “Nos dêem financiamento e nos deixem trabalhar em paz. Afinal, vocês não entenderiam mesmo o que estamos fazendo” escreveu o biólogo Stephen J. Gould sobre essa ‘atitude arrogante’ do cientista em ‘Seta do tempo, Ciclo do tempo’. Essa postura arrogante não contribuiu para aumentar o diálogo com a população. Mas é verdade que não foi só com arrogância que se construiu essa falta de diálogo. Uma certa timidez de muitos cientistas e um tanto de excentricidade de outros, ajudaram a criar um esteriótipo pouco atraente para a sociedade. Em nossa defesa, tenho que dizer, mesmo sob o risco de alimentar a imagem arrogante, que não podemos ignorar o fato da ciência ser difícil (sem tirar o mérito de ser Loira do Tchan, que eu também acho difícil), e que o público leigo tem mesmo dificuldade de entender, e que não podemos fazer muito com relação a isso. Trabalhamos com coisas pouco intuitivas, intangíveis e altamente especulativas. A industria do entretenimento, por exemplo, trabalha justamente com o oposto: nossos sensibilidade inata para a fofoca (veja ‘Ti-ti-ti! A fofoca como instrumento de ensino‘), a beleza (veja ‘A beleza nas letras‘ ) e o medo (veja ‘Por que as pessoas sentem medo?‘). Por isso Big Brother, Paris Hilton e Crepúsculo fazem tanto sucesso. Em uma sociedade sem mentes preparadas pela educação para entender a ciência, os cientistas continuarão isolados.
Ainda há, acredito eu, três outros fatores que contribuem para aumentar essa distância entre a ciência e a sociedade.
O primeiro fator é o mais delicado, o mais perigoso, e o que impõe o maior desafio para o cientista que quer se comunicar com o grande público: É o fato da ciência requerer um rigor que nós, pessoas leigas, não queremos nas nossas vidas. Na verdade, um rigor que não podemos ter. Grande parte dos nossos problemas, no dia-a-dia, são resolvidos por empirismo e intuição. O cientista tira das pessoas as certezas construídas por essas duas forças, sem colocar nada no lugar! Quero dizer, o que a ciência tem a oferecer para colocar no lugar do vazio da morte da ilusão (que é o incrível prazer de compreender o incompreensível e a avassaladora paz de espírito de fazer parte de algo tão maior do que nós mesmos que a nossa própria linguagem é incapaz de expressar com precisão), está fora do alcance da maioria das pessoas. Não falo isso com arrogância. Aprendi com o Millor que “somos todos ignorantes, apenas assuntos diferentes”. Eu mesmo não posso explicar pra vocês o Bóson de Higgs ou os fenômenos quânticos do emaranhamento e da sobreposição porque eu, simplesmente, não sei. Não sei porque é muito difícil e pra entender temos que ter muitos e mãos anos estudando e preparando a nossa mente para compreensão desses conceitos. E dificilmente podemos fazer isso sem que afete a maneira como vemos o mundo de forma geral, nossa vida cotidiana, nossos hábitos, nossa alimentação, nosso corpo e nossos relacionamentos com outras pessoas. “Mauro, você tem que entender que as pessoas não entendem bem uns 95% do que você fala” me disse uma vez uma amiga querida. Conversar com um cientista pode ser irritante por causa do rigor que ele aplica mesmo a eventos banais do cotidiano. Da mesma forma que pode ser irritante para o cientista conversar com pessoas leigas que acreditam em superstições e outras formas de pensamento que não requerem o mesmo rigor de análise do método científico. E talvez estejam certos! Fomos feitos para buscar alimento, buscar abrigo, reproduzir, fugir ou lutar e nosso cérebro não está planejado ou preparado para entender a teoria das supercordas, a matéria escura ou o nosso próprio cérebro. Em certo aspecto, eu mesmo me pergunto se não exageramos na nossa ansia de ‘entender’ tudo. Os seres humanos são capazes de coisas maravilhosas como a Nona Sinfonia de Beethoven, Hamlet de Shakespeare e o gol do Roberto Dinamite no Botafogo em 1976; que mostram que a ciência não pode nos dar tudo que precisamos para viver bem. Mas se quisermos dar a população tudo o que a ciência tiver a oferecer para que eles possam viver melhor, vamos ter que encontrar uma forma melhor de nos comunicarmos com eles.
O que me leva ao segundo ponto: aumentamos os nossos meios de comunicação, mas não sabemos ainda como nos comunicar. A escola, e principalmente a universidade, tem feito um trabalho incrível em pasteurizar nossa comunicatividade ao focar o ensino apenas na competência de ‘interpretação’ da informação (que é efetivamente importante) como se as competências de identificar, descrever, listar não fossem fundamentais para o processo de comunicação e necessárias para a interpretação. O resultado é que nossos alunos (e professores, e executivos, e cientistas, e todo mundo) não conseguem exercer concisão, coesão, clareza e criatividade em seus textos. Criam mensagens enormes que não dizem nada (veja ‘Quem foi que disse?’) e deixam os leitores desesperados: “Mas eu não tenho tempo de ler nada, eu só leio e-mails” disse um espectador desesperado em uma palestra da escritora Sonia Rodrigues, por causa volume de e-mails desnecessariamente extensos de trabalho que lê e responde todos os dias. “Para bom entendedor, meia palavra basta” o ditado popular mostra como nossa habilidade de interpretar deveria jogar a nosso favor. E jogaria, desde que usássemos as palavras corretas: os sete lugares do pensamento (Veja ‘Em busca dos 7 lugares de pensamento‘)  que os gregos e romanos já haviam identificado como ancoras de qualquer discurso. “Mas no caso de você ser um mal entendedor, vou te escrever umas 5 páginas”. Seja por medo, vaidade ou incompetência, não queremos abrir mão do nosso texto e escrevemos mais do que o necessário sem escrever o necessário. O resultado são leitores cognitivamente exauridos, exaustos e frustrados por serem incapazes, depois de todo esforço, de compreenderem a mensagem. “Existem várias formas de ser compreendido: ser claro é a principal” me disse a professora Cristine Barreto. Esse é um problema generalizado. Está em todos os ambientes e grupos sociais, e os cientistas não escapam. Se “Comunicação não é o que você fala, é o que os outros entendem”, temos que explicar para os cientistas que ninguém está entendendo nada.
O terceiro pode ser considerado o mais polemico, pelo menos pela comunidade científica. É que a ciência que é feita no mundo hoje é… chata! Extremamente chata! John Hudges especula, em seu livro ‘O fim da ciência’, se não teríamos já descoberto tudo que há pra descobrir e se agora não estamos apenas no fase de produzir “mais medições, mais precisas” (frase pronunciada por Lord Kelvin, na Royal Academy de Londres, em 1899, quando realmente se acreditava que tudo que havia para ser descoberto na física já havia sido descoberto – sendo que não poderiam estar mais equivocados). Hoje publicamos em torno de 1,6 milhões de trabalhos científicos por ano. Muitos desses trabalhos tem pouca ou nenhuma relevânica científica (acrescentam pouco ao que já se sabe), não enobrecem o espirito humano, não produzem nenhuma aplicação prática e muitas, muitas vezes, estão simplesmente errados. Isso porque muitas, muitas vezes, são produzidos por vaidade, influência econômica, modismo, carreirismo ou sem o menor conhecimento de estatística. “O cidadão comum é passível de aborrecimento” a frase pronunciada por Cícero na Roma antiga se referia aos discursos dos políticos que eram ininteligíveis aos cidadãos comuns por serem incrivelmente entediantes (que eram então excluídos das decisões políticas do império), mas poderia muito bem se aplicar aos cientistas hoje. Os cientistas fazem questão de usar uma linguagem rebuscada que dificulta ainda mais o acesso ao conhecimento hermético que produzem, tornando esse ainda mais chato. O ser humano foi equipado com um poderoso senso de estética (que pode ser prejudicado depois da 3a cerveja) para suportar as dificuldades da vida e também com uma curiosidade inata que o ajuda a explorar novos ambientes e possibilidades. Por isso não gostamos do que é feio e nos entediamos com coisas que permanecem constantes e com artigos científicos da Nature. A pesquisa científica precisa, urgentemente, deixar de ser chata.
Precisamos, todos nós cidadãos, e especialmente nós cientistas, enfrentarmos esse problema para aproximarmos a sociedade da ciência. A Internet mudou a forma de fazer entretenimento, jornalismo, negócios e política. Está na hora de usarmos todo esse potencial dessa WEB 2.0 para educar e incluir cientificamente a população. Os blogs são parte importante desse mecanismo. Antigamente o conhecimento produzido por um cientista no laboratório percorria um longo caminho até chegar ao estudante na sala de aula. Os artigos científicos eram publicados em revistas especializadas, que depois eram reunidos em revisões, livros texto e eventualmente chegavam ao livro didático, que com sorte o professor utilizaria em sala de aula. Hoje ele pode, ele próprio, em 3 passos, criar um blog e comunicar-se não apenas com estudantes, mas com TODO MUNDO! No mundo todo!
Essa é uma tarefa de todos mas principalmente do cientista, porque apenas ele pode traduzir o conhecimento complexo que está sendo produzido dentro dos laboratórios para a população leiga. Se fizermos isso, mais do que cumprir o nosso papel e a nossa responsabilidade social, estaremos capitaneando uma revolução na educação. Qualquer um que detenha um conhecimento e que tenha acesso a um computador e a internet, pode se tornar um professor para um número incalculável de pessoas, que, por quererem conhecimento e terem acesso a um computador (ou tablet, ou celular, ou TV) conectado a internet, se tornam alunos. O foco do processo educacional deixará de ser ‘o professor que detém o conteúdo e o transmite dentro de sala de aula para um número limitado de alunos’ e com isso realizamos a maior e mais poderosa inovação na educação de todos os tempos. A inovação que finalmente permitirá incluir científica, digital e socialmente, os 7 bilhões de seres humanos no planeta!
E o momento é esse! A última pesquisa de opinião encomendada pelo MCT em 2010 mostra que 65% da população brasileira tem interesse pela ciência (mais que pela política, mas ainda menos que pelo esporte) e que a internet já é a principal fonte de acesso a notícias para jovens e adultos até 30 anos. Só que um alto percentual (40%) da população que não se interessa por ciência, explica que simplesmente não consegue entender do que se trata. A maioria não conhece um cientista ao ponto de confiarem mais na palavra do médico ou dos jornalistas quando se trata de ciência. Mas a população tem noção de que ciência é capaz de coisas maravilhosas e tenho certeza que são capazes de perceber, mesmo sem entender, que hoje podemos explicar coisas que apenas 500 anos atras pareciam mágicas. Coisas que 5000 anos atras eram mágicas! Mas não podemos permitir que a compreensão desses fenômenos, e dos avanços tecnológicos e sociais permitidos por eles, fiquem restritos a uma parcela da população só por serem difíceis, pouco intuitivos ou por estarem além da nossa compreensão. Isso seria condenar a maioria das pessoas a viver a margem da sociedade, da história e do futuro. Condená-los a viver a margem do seu próprio potencial e a é colocar nas mãos de outrem o poder de tomar decisões importantes para a vida, sua e dos seus.
Todos nós, cientistas, leigos, educadores, estudantes, precisamos aprender a viver e a nos comunicar em um mundo saturado de informação. Para ter sucesso nesse mundo, temos que aprender novas habilidades: selecionar, priorizar e sintetizar informação, para podermos gerar conhecimento e propor soluções inovadoras para problemas novos e antigos. Essas são habilidades complexas que apenas a mente que se dedicou ao estudo de pelo menos uma disciplina por mais de 10 anos é capaz de desenvolver. O presidente da Apple Steve Jobs dizia que na internet “a maioria de nós continua apenas consumidores, ao invés de autores”. Os cientistas precisa tomar a iniciativa de um movimento para formar ‘autores’ e incluir científica, digital e socialmente a população.

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